Às cinco da manhã, o cais de Guarapari insinuava promessas. No Barco Nativo, com o Comandante Magno, minha esposa e três casais, partimos. A jornada, além de avistar baleias, prometia algo singular.
Enquanto o sol tingia o horizonte, as belezas de Guarapari desvelavam-se. Mas o que realmente importava estava a bordo: uma irmandade espontânea. Sem máscaras, o cuidado mútuo, risadas e refeições compartilhadas criaram rituais de conexão. Uma energia “nativa”, sem dono, que lembrava um tempo de partilha e presença. Minha esposa repetia: “Que dia maravilhoso!”. Eu sentia cada fibra do meu ser vibrar em sintonia.
A volta à terra firme trouxe um choque. Impaciência no trânsito, frieza nas interações, uma correria que esmaga a empatia. O mundo lá fora era um turbilhão individualista, um contraste brutal com a bolha de humanidade que habitamos no barco. Percebi, com melancolia, que visitamos um refúgio, um santuário de valores que, na busca por progresso, deixamos para trás.
Entre as fotos, uma capturada com celular se destacou. Uma gaivota pousou em nosso barco. Num momento quase orquestrado, Magno esticou o braço, com alimento. A gaivota, sem hesitar, voou e pegou-o suavemente. Aquela imagem, com o braço de Magno em um ângulo peculiar, era a pura representação da gratidão e conexão que transcende espécies. “O essencial é invisível aos olhos”, ensinava Saint-Exupéry. Ali, o essencial se manifestava em sua plenitude.
Naquele instante, compreendi estar imerso em um modo de ser que parece raro: o da conexão profunda com tudo – ser humano, natureza, empatia, compaixão. A surpresa, porém, não foi a perda, mas a revelação: esse “mundo que deixamos para trás” não está extinto. Ele reside em nós, esperando ser redescoberto. Aquele dia navegando foi um lembrete vívido de que, assim como o comandante estendeu o braço para a gaivota, a escolha de viver nesse mundo de conexão, presença e alma “nativa” ainda é nossa. Basta um gesto, uma abertura… então, o que nos impede de estender o nosso braço?